13/05/2025

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A revolução de Francisco

A revolução de Francisco

SÍNODO DA SINODALIDADE  Assembleia realizada no Vaticano mostra um novo modo de conduzir a Igreja, em que leigos e leigas também participam dos processos decisórios

Por Airam Lima Jr.

Foto: Miguel Martins Filho

            Olhe para a foto ao lado e responda rápido: onde está o Papa? Dica: ele não está no palco, falando em um púlpito, mas em uma das várias mesas redondas, ao redor das quais estão reunidos cardeais, bispos, padres, religiosos e leigos, inclusive mulheres. Essa imagem é de outubro passado. Na sala Paulo VI, no Vaticano, cerca de quinhentas pessoas de todo o mundo, incluindo observadores não católicos, passaram o mês reunidos na segunda sessão do Sínodo, o qual tratou da sinodalidade, um encontro que está mudando completamente o modo como funciona a Igreja Católica. “Este é o evento eclesial mais importante e estratégico depois do Concílio Vaticano II”, afirma, entusiasmado, monsenhor Piero Coda, secretário-geral da Comissão Teológica Internacional e professor e ex-diretor do Instituto Universitário Sophia, em Florença, Itália.

            Para entender a novidade desse evento, é preciso conhecer sua história. O Sínodo dos Bispos é uma instituição permanente criada pelo Papa S. Paulo VI em 1965. Até 2018, ele continuava a exercer as suas funções enquanto alguns bispos, convocados pelo papa, se reuniam em assembleia para tratar de um tema específico – por exemplo, já houve sínodos sobre a catequese, a Eucaristia e os jovens. O Papa recebia o relatório final da assembleia e escrevia um documento chamado “exortação apostólica”, em que formalizava (ou não) as resoluções do sínodo.

            Em 2018, com a constituição apostólica Episcopalis communio, Francisco iniciou uma revolução nos procedimentos para o Sínodo. Ele decidiu que os padres, diáconos, leigos e leigas das igrejas locais deviam ser ouvidos para subsidiar os debates, trabalho que era normalmente feito pelas conferências episcopais, como a CNBB.

Leigas com direito a voto

            Para o atual Sínodo, a mudança foi ainda maior. Francisco abriu a todos aqueles que não são bispos, inclusive mulheres e leigos, a possibilidade de participar e votar nas assembleias. Até então, quem não fosse bispo podia, no máximo, participar como consultor ou convidado, mas sem direito a voto. “Foi a primeira vez, em 2 mil anos de história da Igreja, que um evento desse tipo foi chamado a envolver todo o Povo de Deus”, destaca o monsenhor Coda.

            E não foi só isso. O tema desse Sínodo foi… o próprio Sínodo, ou melhor, a sinodalidade. A palavra “sínodo” vem do grego e significa “caminhar juntos”. Sob o lema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão”, Francisco propôs que toda a Igreja discutisse não uma questão específica, mas como a instituição deve debater e discernir para encontrar soluções para esses temas. E o exemplo veio da própria organização do Sínodo, planejada em três fases. Na primeira, iniciada em 2021, as dioceses abriram um processo de escuta de todo o Povo de Deus – ou seja, para receber as propostas de todos, do bispo aos fiéis, incluindo pastorais, movimentos e jovens. As informações coletadas foram levadas para uma fase nacional e, depois, outra, continental. Todo esse trabalho resultou na confecção do documento, que serviu de base para a segunda fase: os debates que iriam ocorrer no Vaticano.

            Esses debates foram realizados em duas sessões. A primeira ocorreu em outubro do ano passado. O resultado desse período foi um documento repleto de propostas reconhecidas por seu caráter polêmico. O texto tratava de questões sobre as quais não havia consenso, como o papel da mulher na Igreja, ou constrangedoras para a instituição, como os casos de abusos de menores. Esse documento voltou para as dioceses, onde foi discutido. As contribuições das igrejas locais foram enviadas a Roma para a segunda sessão, que durou todo o mês de outubro deste ano.

Todos falam e escutam

            Na assembleia, os chamados padres e (agora também) madres sinodais foram distribuídos em mesas redondas por idiomas. Nessas mesas, como se vê na foto de abertura desta matéria, não se via um “chefe” – sentavam-se lado a lado cardeais, bispos, padres, freiras e leigas. O Vaticano anunciou que participariam da segunda sessão 368 membros com direito a voto, dos quais 96 não bispos.

            Para que houvesse um debate efetivamente “sinodal”, a Secretaria do Sínodo adotou, como metodologia, a “conversação no Espírito”, uma dinâmica utilizada pelos jesuítas: os integrantes da mesa liam um trecho do documento de base para os trabalhos, faziam um momento de oração individual e, em seguida, cada um falava por quatro minutos, sem interrupção. Depois, novamente todos oravam em silêncio. No passo seguinte, cada um retomava a palavra para dizer o que pensava de tudo o que tinha sido dito, de acordo com o que o Espírito Santo lhe havia sugerido.

            “O mais bonito desse método é que todo mundo fala e todo mundo escuta”, resume o padre Miguel Martins Filho, jesuíta como o Papa e que, conhecedor do método, atuou como facilitador da mesa de trabalho de língua portuguesa do Sínodo – ele não opinava sobre os temas discutidos, mas ajudava os participantes a falar e escutar no momento certo. “E a dinâmica faz também com que as pessoas reflitam bem sobre o que vão falar, porque elas têm que fazer esse momento de oração pessoal”, completa. “O interessante era perceber a interação bonita que havia, com respeito e acolhida.”

            Quem participou do Sínodo com direito a voto e como uma pioneira madre sinodal foi a mineira Sônia Gomes de Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB). “A conversa foi muito mais produtiva agora”, avalia. “Enquanto a primeira sessão era mais para entender o que era a sinodalidade, essa segunda já era para ter uma clareza do discernimento, para ajudar a Igreja, porque a gente já sabia o que era a sinodalidade e tinha feito uma experiência desse tipo, ainda que em pequena escala, na primeira sessão.”

            “Para além de nossas diferenças de cultura, idade, cargos, responsabilidades, éramos todos irmãos e irmãs”, comenta a presidente do Movimento dos Focolares, Margaret Karram, que participou dos debates como uma dos oito convidados especiais (sem direito a voto). “Partilhávamos, antes de tudo, as coisas mais profundas que temos no coração, mas também as inúmeras dores que existem hoje na Igreja, sem sentir vergonha [de mencioná-las].”

“Igreja é rede de relações”

            Depois de um mês de debates, a segunda sessão do Sínodo aprovou um Documento Final que trata, sobretudo, da necessidade de uma “conversão” dos relacionamentos, das estruturas e dos processos na Igreja, com vistas a alcançar a sinodalidade. O texto pede uma “renovação urgente” de órgãos como os conselhos diocesano e paroquial, para que se mude o modo como são feitos o discernimento, as tomadas de decisão e a prestação de contas. Nesse sentido, defende uma participação efetiva dos leigos e a descentralização das decisões na instituição. “A Igreja agora é uma rede de relações, não uma pirâmide centralizadora”, explica Coda. “Todos são chamados para intercambiar seus dons.”

            Para que essas mudanças sejam postas em prática, o Documento propõe, como primeiro passo, uma formação de todos os fiéis, consagrados ou não, que seja “integral, contínua e compartilhada” – em termos práticos, para dar um exemplo, que os seminaristas tenham a “presença significativa de figuras femininas” e uma “inserção na vida cotidiana das comunidades”.

            Ainda ficou uma nova surpresa para o final. No encerramento da assembleia, Francisco declarou que, dessa vez, não vai escrever uma exortação apostólica. “Quero, desse modo, reconhecer o valor do caminho sinodal realizado”, justificou. “Isso quer dizer que o Papa concorda com tudo aquilo que está ali e, principalmente, com a autonomia de não bispos aprovando questões”, destaca Sônia Oliveira.

Resistência vem dos padres

            Porém, o Sínodo da revolução não terminou. Como está previsto no processo desde a Episcopalis communio, agora começa a terceira fase, a da implementação das propostas aprovadas, em que as igrejas locais também vão passar a ser conduzidas na dinâmica da sinodalidade. “Mas como chegar nos corações daqueles que não tiveram acesso a essa questão da Igreja sinodal?”, pergunta-se Sônia Oliveria. “E o mais difícil é que quem mais não quer aceitar o Sínodo são os presbíteros [padres], principalmente os mais novos”, preocupa-se ela, apontando que essa resistência foi detectada “com muita clareza” no Sínodo. “Por isso, o Documento Final insiste tanto na formação dos presbíteros.”

            “Esta é uma etapa nova da vida da Igreja”, afirma Coda. “A novidade é que o Sínodo se tornou um processo que envolve todo o Povo de Deus. O fato de não bispos participarem do Sínodo não é uma contingência, mas uma realidade coerente com a profunda natureza da Igreja.”

Mulheres diaconisas? O grupo 5 responde

            O Documento de Síntese da primeira sessão do Sínodo levantou várias questões polêmicas. Mas o Papa Francisco não quis que esses temas tirassem o foco da assembleia de outubro, que era “Como ser uma Igreja sinodal em missão?”. Em fevereiro, ele determinou que o secretário-geral do Sínodo, o cardeal Mario Grech, constituísse dez grupos de estudo para tratar dessas questões, entre as quais estão a formação dos padres, as ações para escutar os pobres e o uso dos meios digitais para propagar a fé. E deu a essas equipes um prazo até junho do próximo ano para apresentarem seus relatórios finais.

            Nenhum desses grupos ganhou tanto destaque quanto o de número 5, ao qual foi confiado o estudo de “algumas questões teológicas e canônicas sobre formas ministeriais específicas” – falando claramente: a possibilidade de mulheres receberem o diaconato. A situação ficou estranha porque esse grupo foi o único em que os nomes de seus integrantes não foram revelados publicamente – ele foi confiado ao Dicastério para a Doutrina da Fé e posto sob a coordenação do secretário da Seção Doutrinal, monsenhor Armando Matteo, e só.

            Isso não quer dizer que essas questões não tenham sido abordadas nos debates da assembleia. Mereceram citações no Documento Final, e seu parágrafo 60 foi o mais polêmico de todos. Esse trecho diz, entre outras coisas, que “as mulheres continuam a enfrentar obstáculos para obter um reconhecimento mais pleno de seus carismas, sua vocação e seu lugar nas diferentes esferas da vida da Igreja. […] Esta Assembleia apela para a plena implementação de todas as oportunidades já previstas na legislação atual com relação ao papel das mulheres, particularmente em lugares onde elas ainda não foram cumpridas. […] A questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal também permanece em aberto. É necessário mais discernimento a esse respeito”.

            Para aprovação do Documento Final, cada parágrafo era votado um a um, e precisava dos votos de dois terços dos padres e madres sinodais para ser aprovado. O parágrafo 60 teve 97 votos contrários. “Foi o parágrafo com maior número de votos ‘não’”, lembra o padre Miguel Martins Filho. “Mais uns vinte votos e ele teria sido rejeitado.”

            “Isso, para mim, foi muito positivo”, afirma monsenhor Piero Coda, porque é como a ponta de um iceberg que fez emergir essa questão de época. O verdadeiro ponto de dificuldade não é o do diaconato, mas de converter a gestão da autoridade na Igreja, para que não seja clerical, e, ao mesmo tempo, a questão de pôr à luz o aporte substancial que a sensibilidade e a competência femininas dão à vida da Igreja também no nível da autoridade.             “No meu caso, eu queria que pudesse ser aprovada essa questão do diaconato feminino”, admite Sônia Oliveira. “Mas talvez a gente tenha ido com muita sede ao pote… Olhando o modelo de Igreja masculinizada, machista, do jeito que nós temos, era impossível conseguir isso. Então, tem algumas questões que, olhando enquanto pessoa, nós queríamos que pudessem ter avançado muito mais, mas, olhando a partir da fé, eu acho que é isso que nos motiva. Desde a primeira sessão, todos diziam que o protagonista da história é o Espírito Santo. Teve um patriarca [líder de Igreja oriental] que disse assim ao Papa: ‘Talvez nós queiramos fazer muitas coisas, mas esquecemos que, coisas novas, quem faz é o Espírito Santo’. Isso mexeu muito comigo e me deu um alento muito grande.”

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