Eles querem caminhar com a gente do quilombo

Por Redação de Ekklesía Brasil
Texto publicado originalmente na revista Ekklesía Brasil, edição de janeiro-abril de 2022, n. 4., p. 57-59.
Foto: Focolares-Salvador (BA)
O hoje aposentado José Paulo dos Santos Silva chegou a casa e disse para a esposa Amélia: a nossa comunidade – do Movimento dos Focolares – precisa conhecer e fazer algo pelos moradores do Quilombo do Rio dos Macacos! A convite de um colega, Paulo tinha tido contato com aquela comunidade quilombola, tendo em vista realizar também ali algum projeto de ação assistencial e voluntária com alunos do colégio católico Antônio Vieira, da rede jesuíta, onde, na ocasião, atuava como responsável desse tipo de atividade. Mais que uma ajuda no âmbito da promoção social, ele intuiu que aqueles moradores precisavam “ser amados” de forma especial.
O Quilombo do Rio dos Macacos fica, na realidade, na cidade de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador. Como uma comunidade remanescente de escravizados, herdou todas as dificuldades que os milhares de descendentes da escravidão negra no Brasil tiveram que enfrentar desde a abolição cuja iniciativa não havia previsto como integrar esses novos cidadãos livres à vida em sociedade de forma digna. Falta de acesso a emprego, a recursos básicos de infraestrutura (como água, esgoto etc.) e à moradia, a pobreza, violência e insegurança, entre outros problemas, produzidos em grande parte pelo preconceito racial, passaram a fazer parte do cotidiano dessas pessoas.
Ao caso específico da comunidade do Quilombo do Rio dos Macacos acrescenta-se o fato de viverem em terras que, na sua maior parte, lhes estão sendo negadas legalmente há décadas pelo Estado brasileiro. Não bastasse isso, ali, foi instalado um quartel da Marinha, que dificulta o trânsito livre de moradores e de quem precisa ou deseja visitar o quilombo. Vivem nesse quilombo 96 famílias.
Isso tudo, no entanto, não intimidou a comunidade dos Focolares de Salvador que, em 2017, resolveu fazer uma primeira visita ao local. Antes de uma ação mais organizada, um grupo de cinco pessoas esteve ali para um primeiro contato. Decidiram, com o consentimento dos moradores do quilombo, que voltariam assim que possível. E voltaram, dessa vez com cerca de 50 pessoas. Essa primeira ação se deu no dia 12 de outubro daquele ano. Não havia nenhuma pretensão naquela iniciativa, mas simplesmente o desejo de ir ao encontro daqueles irmãos e lhes oferecer alguma atenção, algum conforto, também do ponto de vista material – com alimentos e brinquedos, por exemplo.
Foram necessárias quase 2 horas para que todos os 50 visitantes pudessem ser cadastrados pelo posto de vigilância da Marinha para, só então, terem a sua entrada permitida. Nesse encontro foram dados os primeiros passos de um relacionamento que permanece até hoje, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19. Aliás, essa foi outra ocasião para que Paulo e outros dos Focolares “arregaçassem as mangas” para ajudar os amigos do quilombo, recolhendo doações de mantimentos, produtos de higiene e outros recursos necessários para enfrentar o isolamento social ainda maior a que foram submetidos. Com efeito, outras visitas e ações de ajuda concreta à comunidade do quilombo foram realizadas desde então. Também um acompanhamento às questões jurídicas de posse da terra tem sido feito por uma jovem focolarina estudante de Direito.
O Quilombo do Rio dos Macacos segue com muitas necessidades, a começar pelo direito à posse integral das terras – apenas uma pequena parte foi concedida recentemente pelo Estado aos seus moradores até este momento. Em razão de não terem esse direito fundamental garantido, os quilombolas estão proibidos de construírem suas casas, entre outros direitos negados. Diante de desafios tão grandes – cuja luta é acompanhada por membros dos Focolares –, as ajudas pontuais podem parecer sem grande impacto. Mas não é essa a leitura que os fatos permitem fazer.
Amélia e Paulo contam que as pessoas do quilombo precisam ser reconhecidas na sua dignidade. Pequenos gestos de acolhida, de escuta aberta ou de solidariedade têm, nesse contexto, um significado muito grande para elas. Em alguns desses encontros com os quilombolas, os membros dos Focolares puderam lhes doar a história do Movimento e suas experiências de como procuram viver o Carisma da Unidade e o quanto isso transformou as suas vidas. Sensibilizados pelo que ouviram, em outra oportunidade, esses moradores receberam os focolarinos com um painel muito bonito de boas-vindas. Também quando foi organizado um brechó no local, em retribuição, os quilombolas fizeram uma pequena feira para vender seus produtos aos visitantes. Gestos simples, mas sinceros, que refletem a capacidade de unir pessoas tão diferentes.
O casal faz questão de salientar que, nesse sentido, essa é uma relação que procura ser sincera. Os quilombolas são gratos por todo e qualquer apoio que o Movimento dos Focolares possa dar à comunidade – assim como acontece por iniciativa de outros grupos religiosos e civis –, mas revelam um zelo pela própria dignidade, que os faz conscientes da sua capacidade de lutar pelos próprios direitos. Eles não renunciam a sua autonomia e, por isso, jamais assediam os visitantes.
O religioso franciscano, frei Severino Fernandez de Souza, membro da comunidade dos Focolares em Salvador e que participou ativamente nessas ações, corrobora com essa perspectiva, na medida em que diz que a experiência feita no Quilombo do Rio dos Macacos se reveste de sinodalidade. Em outras palavras: todos caminham juntos. Ele afirma que, nesse caso, a sinodalidade acontece sob duas formas: ao se mobilizar em favor do quilombo, a própria comunidade dos Focolares faz uma experiência de caminhada em unidade e essa realiza a mesma experiência com os quilombolas. “Você já é um dos nossos”, disse um dos quilombolas ao Paulo, em uma das últimas visitas dele ao quilombo. “Essa é justamente a nossa intenção: ser um deles, que caminha junto com eles”, diz Paulo.