19/04/2025

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Sinodalidade exige aprimorar processos comunicacionais da Igreja

Sinodalidade exige aprimorar processos comunicacionais da Igreja

Por Luís Henrique Marques

Artigo publicado orginalmente na edição n. 2, de janeiro-abril de 2022, da revista Ekklesía Brasil, p. 27 a 31.

Foto: Luís Henrique Marques

Partindo da simples constatação que sinodalidade significa “caminhar juntos”, não é difícil compreender o quanto o uso da comunicação é fundamental no processo sinodal da Igreja. Pessoas, grupos, comunidades, dioceses que caminham juntas, não o fazem adequadamente se não estão em contínua comunicação, um processo cuja definição mais elementar implica considerar troca, partilha ou numa concepção mais profundamente cristã, comunhão.

Com efeito, de imediato, é preciso por de lado a antiga – mas persistente – ideia que reduz o ato de comunicar ao de informar. A simples transmissão de informações – muitas vezes feita por quem detém o poder sobre elas, quando não, sobre pessoas – não dá conta de um processo comunicacional autêntico. Isso é o que afiram inúmeros pesquisadores da área da comunicação já há bastante tempo. O sentido mais adequado do ato comunicativo contempla o fato de que os atores se alternam nos papeis de emissores e receptores da mensagem.

Comunicar, portanto, não se limita ao uso instrumental de recursos de mídia, menos ainda da “utilização” de profissionais da área para a mera divulgação de informações. Evidentemente, nesse processo, a transmissão de informações, devidamente apuradas e eticamente apresentadas, é fundamental. No entanto, se quem recebe a mensagem é incapaz de avaliá-la com criticidade e, em algum momento, não lhe é possibilitado assumir o papel de emissor (aquele que tem algo a dizer de válido), esse processo tende a produzir poucos bons resultados, quando não é completamente falho. Por isso, falha a mídia tradicional ao não dar espaço às vozes que precisam ser ouvidas em cada informação veiculada, como falham os usuários das redes sociais ao compartilharem informações falsas, sem a devida contextualização e checagem. Todos já o sabemos, porque é isso que, incrédulos, constatamos cotidianamente ao acompanhar as mensagens de mídias sociais e tradicionais.

Aqui vale um parêntese. É fato – e essa é uma impressão pessoal de longa data, depois de três décadas atuando no âmbito da comunicação eclesial, o que é compartilhado por muitos outros colegas da área – que mesmo no que diz respeito ao uso profissional de meios de comunicação com o intuito de informar, a Igreja, em muitos lugares, ainda “peca” pelo amadorismo, insistindo em improvisar, em não investir adequadamente em recursos materiais e humanos para esse fim. Isso é um flagrante contrassenso na medida em que acaba sobrecarregando profissionais com demandas que, sem recursos, não dão conta de realizar seu trabalho com o mínimo de qualidade. Como Igreja, “pecamos” também (talvez por omissão) em não atuar numa ação evangelizadora apropriada dos profissionais da mídia convencional que, a despeito do cenário competitivo e com frequência anticristão em que exercem sua profissão, podem ser instrumentos de mudança de paradigma, tendo em vista uma nova cultura comunicacional.

Silêncio e escuta

Voltando à reflexão central deste artigo, vale dizer que, ao investir no processo sinodal, o Papa Francisco aponta uma perspectiva da prática comunicacional a qual, como disse acima, é capaz de criar comunhão. Não à toa ele deu início a esse processo com a escuta, assim como foi feito na preparação para a Assembleia Eclesial Latino-americana. O tema da escuta, aliás, é tratado com uma belíssima reflexão apresentada pelo pontífice na sua última Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, data criada pela Igreja a partir do Concílio Vaticano II e que, este ano, será celebrada em 31 de maio. Em seu texto, Francisco afirma que o primeiro passo na comunicação – o que pode parecer um paradoxo – é silenciar e escutar o outro “com o coração”, acolhê-lo, portanto, sem reservas. Em outras palavras, ao invés de despejar sobre o interlocutor tudo aquilo que se deseja dizer, por mais legítimo que seja, é preciso antes silenciar e escutar.

De fato, se a comunicação é elemento fundamental para relação de quem deseja “caminhar junto”, essa só tem possiblidade de acontecer de forma efetiva se for construída mediante a confiança entre os interlocutores. Quando eu escuto profundamente o outro, superando qualquer ideia prévia, preconceito ou desejo de fazer valer um ponto de vista, dou a possibilidade do meu próximo passar a confiar em mim. Nesse sentido, o exercício da empatia ou do “fazer-se um” (exceto no pecado), como dizia sempre Chiara Lubich, é o primeiro valioso passo no processo comunicativo. O “milagre” dessa escuta, que deve se tornar recíproca, surge da ação do Espírito Santo que se manifesta e cuja luz vai muito além dos posicionamentos pessoais.

Encontrar pessoas

Em mensagens anteriores, Francisco já evidenciou que a “Igreja em saída” é aquela que vai ao encontro das pessoas, sobretudo daquelas que se encontram nas “periferias existenciais”. Esse argumento oferece também uma percepção simples, aparentemente evidente, mas revolucionária do paradigma de comunicação defendido pelo papa. Trata-se de uma comunicação que viabiliza o “encontro das pessoas”. Isso significa dizer que pessoas que se caminham juntas, produzem uma comunicação que favorece o encontro entre elas, mais do que o encontro (ou confronto) de ideias, opiniões, posicionamentos.

Em outras palavras, ao nos comunicarmos, o nosso objeto sagrado de atenção deve ser as pessoas para quem nos dirigimos (seres reais e não perfis artificialmente construídos), muito mais do que o conteúdo que desejamos transmitir. Isso implica atenção na forma como comunicamos, quaisquer que sejam as linguagens e canais utilizados. É preciso usar de respeito, sensibilidade, correção, responsabilidade. A razão é que, de nada vale a eloquência, o zelo pela palavra em si ou pelas ideias ou convicções se o outro não nos compreende, se não lhe comunicamos algo que lhe diz respeito, que vai ao encontro da sua própria vida.

Aqui, mais uma vez, como Igreja, precisamos fazer o mea culpa: não raro nossas comunicações são fundamentadas em argumentos complexos, se valem de uma linguagem rebuscada, extremamente zelosa com a ortodoxia doutrinal, mas incapaz de suscitar interesse, de promover o diálogo com a comunidade como um todo, limitando-se, não raro, a pequenos círculos intelectualizados.

Além disso, soma-se a isso o fato de que o medo contínuo do diálogo advém, por vezes, de não saber se posicionar diante de pontos de vista que julgamos inadequados sob o olhar da doutrina. De fato, muitos de nós ainda nos escandalizamos com o diferente, com aquele que nos interpela ou critica, permitindo sermos vistos como arrogantes e incapazes de dialogar, enquanto nos blindamos de um discurso doutrinário inacessível.

Comunicação dialógica

O caminho sinodal proposto pelo Papa Francisco, ao contrário do que muitas pessoas precipitadamente entenderam, não deseja comprometer o valor da autoridade da Igreja. A palavra final, especialmente sob o ponto de vista da doutrina, permanece a cargo de quem canonicamente tem a responsabilidade (e a graça) para isso. Ouvir, permitir-se interpelar, questionar-se nada mais é que estabelecer a prática de uma comunicação dialógica, cujo conteúdo deveria servir de referência fundamental para aqueles que, no seio da Igreja e em certas circunstâncias, devem tomar decisões. Não se trata, portanto, de democratizar a Igreja, mas de ajudar a quem a lidera a se aproximar da realidade daquela parcela do Povo de Deus que lhe foi confiada.

Aqui é interessante perceber a perspicácia do papa ao chamar a atenção dos líderes da Igreja, clérigos ou leigos, de que abrir espaços de diálogo não é “fazer de conta que se ouve” e manter-se inflexível em seus posicionamentos quando não há justificativas para isso. De fato, muitos entre aqueles que leem este já devem ter feito a experiência de ter que acatar decisões no seio de uma comunidade eclesial apenas porque o líder assim o desejava, sem as justificativas suficientes. Com efeito, esse cuidado na relação com as novas gerações permanece hoje ainda mais necessário.

É certo que, diante do sofrimento, nesse caso, provocado pelo desencontro, Cristo nos convida sempre a abraçar a cruz. Nossos sofrimentos, pequenos ou grandes, nos assemelham a Ele, de alguma forma, dizia também Chiara Lubich. Isso não significa, no entanto, que todos os equívocos devem ser tolerados sob a justificativa de respeito à autoridade. Nesses casos, o diálogo se torna uma exigência ainda maior. Se servir o próximo é o que distingue a autoridade na Igreja, colocar-se a serviço para ouvir e acolher, com humildade, quem quer que seja, significa dar um testemunho heroico e indispensável para a caminhada da comunidade. O sucesso da comunicação depende desse tipo de postura.

O serviço implica também permitir-se questionar e oferecer argumentos ao outro, quando necessário. Implica também, em alguns momentos, reconhecer erros ou a incapacidade de argumentar ante certas situações, o que reforça ainda mais o argumento segundo o qual, quem lidera, precisa aprender a ouvir profundamente sua comunidade. Nesse sentido, concordo com quem defende a necessidade de que a Igreja precisa cuidar melhor da formação de seus futuros líderes, sejam sacerdotes, sejam leigos. A tendência, arraigada na nossa cultura, de que líderes precisam ser bajulados e de que sua autoridade se impõe por si só é um câncer que corrói qualquer possibilidade de relações mais horizontalizadas na Igreja. É o que chamamos de clericalismo.

Testemunhos que inspiram e ensinam

Outro aspecto colocado em relevo pelo Papa Francisco para uma comunicação saudável e que, portanto, contribui para o caminho sinodal da Igreja é o investimento em contar boas histórias, relatos de experiências que inspiram, edificam e ensinam. Com frequência, essas histórias – sejam escritas ou testemunhadas oralmente – costumam marcar as pessoas, bem mais do que palavras ou reflexões teóricas. Não deve ser por um acaso que jornalistas da velha guarda costumam dizer que o bom profissional de imprensa é aquele que é capaz de “contar boas histórias”. São elas que mais atraem o interesse público.

Na caminhada da comunidade eclesial, é preciso abrir espaços tanto de diálogo quanto para ouvir e divulgar essas belas histórias. É, aliás, uma oportunidade bastante especial para valorizar aqueles que têm mais experiência de vida e que, muitas vezes, permanecem à margem das ações da comunidade porque já não têm mais condições de saúde para isso. A sua história de vida, no entanto, não pode ser esquecida. Tanto é verdade que temos na Bíblia uma fonte rica de histórias cujos personagens foram testemunhas da ação de Deus na própria História. O próprio Cristo usou de parábolas (pequenas estórias carregadas de ensinamento) para nos ajudar a compreender a sua mensagem, conforme argumentou o Papa Francisco em outra Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, publicada em 2020.

Esses são, enfim, alguns elementos para uma comunicação autenticamente cristã capaz de favorecer o caminho sinodal da Igreja. Há outros, naturalmente. Assim como existem outros limites a serem devidamente compreendidos e superados no que diz respeito ao tema da comunicação eclesial. É verdade que muito já se tratou, publicou e caminhou nesse sentido, mas há ainda muito a ser feito. A Igreja, por sua complexidade, tem encontrado respostas muito desiguais, quando não contraditórias e, com frequência, improvisadas para um assunto que é complexo, seja no que diz respeito a comunicações interpessoais, seja no tocante àquelas mediadas por canais de comunicação. Nossa esperança é que, justamente na caminhada que se pretende trilhar cada vez mais juntos daqui para frente, essa temática seja mais bem refletida e respostas sejam encontradas à luz do Espírito Santo que se faz presente mediante o encontro amoroso daqueles que amam a Igreja.

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