Uma abordagem ortodoxa para a questão da sinodalidade: o consenso dos Padres

Por Dimitrios Keramidas[1]
Artigo publicado originalmente na revista Ekklesía Brasil, edição de janeiro-abril de 2022, n. 4, 37-39.
Foto: Facebook.
Sinodalidade e unidade da Igreja
Os ortodoxos gostam de se chamar “Igreja dos Concílios”, juntamente com a “Igreja dos Padres”, e apontam sua consciência sinodal e consensus Patrum como traços distintivos de sua tradição. Para a ortodoxia, a conciliaridade é parte integrante da fé eclesial e se expressa na teologia e na liturgia, mais do que na lei. Suas origens remontam ao Concílio de Jerusalém (Atos 15), que se tornou o critério para o posterior desenvolvimento do sistema sinodal no Oriente.
Para entender o conceito ortodoxo de sinodalidade, entretanto, é necessário entender a constituição das igrejas ortodoxas. Cada igreja ortodoxa é erigida com base no princípio da “territorialidade” – encontra-se em um território geográfico específico – e goza de autonomia pastoral e administrativa interna. Ao mesmo tempo, em nível geral, está vinculada pelo princípio da sinodalidade no que diz respeito à proclamação de dogmas ou à aplicação de normas e práticas comuns, por exemplo, a admissão ou a não admissão de mulheres no ministério sacerdotal, uma vez que prevalece a autoridade normativa dos Concílios Gerais.
A “Igreja é sínodo”, escreveu João Crisóstomo. Para a ortodoxia, um sínodo não é um evento que se interpõe na vida comum, mas a celebração do encontro do corpo dos fiéis com o Senhor. Sem a realização sinodal, a Igreja não existe como “una” e “católica”. Uma Igreja a-sinodal tende a privilegiar uma fé individualista, sujeita a interesses e “opiniões” individuais. O patriarca ecumênico Bartolomeu observou, em seu discurso ao Concílio de Creta (2016), que “a atrofia da instituição sinodal em nível pan-ortodoxo contribui para o desenvolvimento de um sentimento de autossuficiência dentro das igrejas individuais, e às vezes se entrega a tendências introspectivas e autorreferenciais, ou seja, uma sensação de ‘eu não preciso de você’”[2].
Uma conciliaridade eucarística
Na tradição ortodoxa, existe uma ligação estreita entre a sinodalidade e a Eucaristia. O teólogo Panayotis Nellas observa: “[Um sínodo de bispos] é, em sua essência, um ato litúrgico. Assim como na liturgia divina[3], a Igreja local é constituída e revelada no contexto de uma comunidade concreta, também no Sínodo, no qual todas as igrejas locais se encontram e caminham juntas, a Igreja universal é constituída e revelada”[4]. A ortodoxia sempre considerou a Eucaristia como um modelo de organização sinodal: o bispo – como cabeça – e os presbíteros junto com os diáconos e o povo – como corpo – celebram juntos sua unidade na fé. O bispo também é aquele que representa a unidade da sua comunidade em relação às outras igrejas. Portanto, sem a experiência eucarística, a sinodalidade perde seu caráter eclesial e corre o risco de se transformar em um encontro de “oficiais de assuntos religiosos”.
Para entender melhor este movimento, precisamos lembrar a “territorialidade” da Igreja. Uma Igreja local é chamada a proclamar e a viver plenamente a verdade do Evangelho. Isto a leva a abrir-se às outras igrejas, uma abertura de testemunho do Evangelho que, para Crisóstomo, une o mundo e reúne o que foi dividido. No entanto, como a autoridade do bispo surge de sua presidência da Eucaristia, pode-se falar de paridade das igrejas locais, já que todas as Eucaristias são iguais – não há uma Eucaristia mais válida que outra. É por isso que Inácio de Antioquia aclamava que “onde está o bispo, há a multidão”.
Sinodalidade e governo eclesial
Se a sinodalidade é aquela norma que salvaguarda a verdade e a unidade em nível local, também deverá sê-la em nível geral (pan-ortodoxa e pancristã). Toda a Igreja professa a fé sinodal, reforçando uma unidade já vivida localmente.
Com relação à sinodalidade, a ortodoxia frequentemente se refere ao Canone apostolico 34 – uma norma legislativa do IV século de origem oriental, relativa às relações entre as igrejas – para indicar a interação entre o “primeiro” de um sínodo e os outros membros que o compõem. O cânone exorta: “Os bispos de cada nação [território] devem conhecer o primeiro do sínodo e segui-lo como seu líder e não fazer nada sem seu conselho […]. Mas nem ele [o primeiro] pode fazer nada sem a opinião de todos. Desta forma, haverá concórdia e Deus será glorificado através do Senhor no Espírito Santo: o Pai e o Filho e o Espírito Santo”. Disso advém que a sinodalidade é modelada na comunhão trinitária e na primazia da paternidade. É imperativo reconhecer o primeiro nas assembleias sinodais, porque o Pai é apenas um – daí não haver previsão para qualquer tipo de copresidência ou coprimazia, porque não há dois “Pais” na Trindade. O metropolita Ioannis Zizioulas explica: “O primado, como tudo na Igreja, até mesmo o ser de Deus – a Trindade – é relacional”. Isto explica como o “primeiro” é “uma condição sine qua non para a instituição sinodal e, portanto, uma necessidade eclesiológica e que, analogamente, o sínodo é um pré-requisito para o exercício da primazia”[5].
A sinodalidade é, portanto, uma expressão indispensável do ser Igreja, da unidade do povo de Deus e da participação de todos na proclamação da fé.
[1] O autor é teólogo ortodoxo e professor de ecumenismo e teologia ortodoxa na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino Angelicum e professor convidado da Pontifícia Universidade Lateranense. Tradução do original italiano de Maria Helena Benjamin.
[2] Bartolomeu, Discurso inaugural, in “Il Regno attualità e documenti”, 61, (2016), n. 1237, p. 366.
[3] Na celebração da Eucaristia. [N.d.E.]
[4] P. Nellas, Il Santo e Grande Sinodo della Chiesa Ortodossa (grego), in “Synaxi”,133, (2015), p. 8.
[5] J. Zizioulas, Recent discussions on Primacy in Orthodox Theology, in W. Kasper (por.), Il ministero petrino. Cattolici e ortodossi in dialogo, Città Nuova, Roma 2004, p. 260-261.