19/04/2025

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A sinodalidade em ação

A sinodalidade em ação

Por Helio Fronczak[1]

Artigo publicado originalmente na revista Ekklesía Brasil, edição de janeiro-abril de 2022, n. 4, p. 13-16.

Imagem: site das Pontifícias Obras Missionárias (POM) – Brasil

Tudo passa, nada está parado. O mundo, a vida, eu, você, nós, a Igreja, a sociedade estamos seguindo em frente. Estamos em caminho. Para onde? Para quê? Por quê? Como vamos? Perguntas óbvias e necessárias, e certamente não fáceis de responder de imediato.

A história da humanidade – e da Igreja – está a caminho desde os seus inícios e continuará caminhando sempre. Cada um pode percorrer um caminho por conta própria, com seus meios, com seus objetivos e interesses; e na velocidade que julgar melhor. Conhecido é o adágio popular africano: “Se quer ir rápido, vá sozinho. Se quer ir longe, vá em grupo”. Se, de um lado, é verdadeiro tal adágio, contudo, por outro lado, também é verdade que “homem algum é uma ilha”.

A sociedade e a Igreja são constitutivamente plurais, comunitárias, associativas. Daí decorre que são naturalmente, por força, vocacionadas a fazer um caminho em conjunto. A Igreja de Jesus Cristo é peculiarmente povo de Deus, isto é, muitos unidos em Cristo, formando um só corpo. Sendo assim, em sua essência e natureza, é impossível e impensável que a Igreja de Jesus Cristo não testemunhe com visibilidade sempre crescente o seu “caminhar junto”. Exatamente aqui – nesta expressão – é que se encontram as palavras: sínodo – sinodalidade – Igreja sinodal.

O caminho sinodal da Igreja apresenta uma peculiaridade interessante: o seu objeto – a sinodalidade – é também o seu método. Constitui uma espécie de estaleiro de obras que permite começar a colher imediatamente os frutos do dinamismo que a conversão sinodal introduz na comunidade cristã. As experiências de sinodalidade vivida, com os seus pontos fortes e os seus sucessos, assim como os seus limites e as suas dificuldades, oferecem elementos preciosos para o discernimento sobre a direção na qual continuar a caminhar. Na Igreja, já se experimentam formas de “caminhar juntos” na vida do dia a dia, mesmo quando o termo sinodalidade nem sequer era conhecido ou utilizado.

Em 09 de outubro de 2021, o papa Francisco inaugurou oficialmente um tempo de sínodo sobre sinodalidade que culminará em outubro de 2023. Estamos vivendo a primeira fase do processo, o tempo de escuta nas dioceses do mundo todo. Apresento um apanhado geral do documento preparatório.

A questão fundamental

Em vista da preparação e processo do sínodo, foi publicado pela Secretaria Central do Sínodo, em Roma, um “documento preparatório” para fornecer subsídios a todos os interessados em participar. Também nós somos convidados a participar, refletindo juntos sobre as questões propostas. Em síntese, a questão fundamental é esta: anunciando o Evangelho, uma Igreja sinodal “caminha em conjunto”. Perguntamos então: como é que este “caminhar juntos” se realiza hoje em nossas igrejas diocesanas? E que passos o Espírito Santo está nos convidando a dar para crescermos em nosso “caminhar juntos”?

Naturalmente que para dar uma resposta adequada a esta questão fundamental, somos convidados a considerar que experiências da nossa Igreja diocesana a interrogação fundamental nos traz à mente? E ao reler estas experiências mais profundamente, precisamos perguntar: que alegrias nos proporcionaram? E que dificuldades e obstáculos encontramos na caminhada? Pensar neste assunto faz emergir que tipo de feridas? E que intuições suscitam em nosso interior? Onde, nestas experiências, ressoa a voz do Espírito? Quais são os pontos a confirmar, as perspectivas de mudança, os passos a dar? Onde alcançamos um consenso? Que caminhos se abrem para a nossa Igreja?

Esta série de perguntas traz o âmago da questão do sínodo proposto para a Igreja pelo papa Francisco. Um tema de grande alcance para a caminhada eclesial nesta mudança de época que o mundo vive.

Diferentes articulações da sinodalidade

Para compreender bem o que é a sinodalidade e como ela se articula como “dimensão constitutiva da Igreja” é preciso sempre considerar estes seus três planos:

– O plano do estilo em que a Igreja normalmente vive e atua, pois a Igreja realiza-se por meio “da escuta comunitária da Palavra e da celebração da Eucaristia, da fraternidade, da comunhão e da corresponsabilidade e participação de todo o povo de Deus, nos seus vários níveis e na distinção dos diversos ministérios e funções, na sua vida e na sua missão”;

– O plano das estruturas e dos processos eclesiais, determinados inclusive pelos pontos de vista teológico e canônico, em que a natureza sinodal da Igreja se manifesta de maneira institucional em nível local, regional e universal;

– O plano dos processos e eventos sinodais em que a Igreja é convocada pela autoridade competente, em conformidade com procedimentos específicos, determinados pela disciplina eclesiástica.

Estes três planos referem-se uns aos outros e devem manter-se unidos de maneira coerente, caso contrário, transmite-se um contratestemunho, minando a credibilidade da Igreja. Com efeito, se não se encarnar em estruturas e processos, o estilo da sinodalidade degrada-se facilmente do nível das intenções e dos desejos para aquele da retórica: enquanto processos e eventos, se não forem animados por um estilo adequado, não passam de formalidades vazias.

Na releitura das experiências vividas em nossas dioceses, paróquias e comunidades, é necessário considerar que “caminhar juntos” pode ser entendido de acordo com duas perspectivas diferentes, fortemente interligadas. A primeira diz respeito à vida interna das igrejas particulares, às relações entre os indivíduos que as constituem – em primeiro lugar, aquela entre os fiéis e os seus pastores, também por meio dos organismos de participação previstos pela disciplina canônica, incluindo o sínodo diocesano – e às comunidades em que se subdividem – de modo particular as paróquias.

Em seguida, considera as relações dos bispos entre si e com o bispo de Roma, inclusive mediante os organismos intermediários de sinodalidade – Sínodos dos Bispos das igrejas patriarcais e arquiepiscopais maiores, Conselhos de Hierarcas e Assembleias de Hierarcas das igrejas sui iuris, Conferências Episcopais, com as suas expressões nacionais, internacionais e continentais. Por conseguinte, estende-se à maneira como cada uma das igrejas particulares integra em si mesma a contribuição das várias formas de vida monástica, religiosa e consagrada, de associações e movimentos laicais, de instituições eclesiais e eclesiásticas de diferentes tipos – escolas, hospitais, universidades, fundações, instituições de caridade e de assistência etc. Para finalizar, esta perspectiva abrange também as relações e as iniciativas comuns com os irmãos e as irmãs das demais confissões cristãs, com os quais partilhamos o dom do mesmo Batismo.

A segunda perspectiva tem em consideração o modo como o Povo de Deus caminha em conjunto com toda a família humana. Assim, o olhar contemplará o estado das relações, do diálogo e das eventuais iniciativas comuns com os crentes de outras religiões, com as pessoas afastadas da fé e igualmente com ambientes e grupos sociais específicos, com as respectivas instituições – mundo da política, da cultura, da economia, das finanças, do trabalho, sindicatos e associações empresariais, organizações não governamentais e da sociedade civil, movimentos populares, minorias de vários tipos, pobres e excluídos etc.

Dez núcleos temáticos a aprofundar

Para ajudar a fazer emergir as experiências e contribuir de maneira mais rica para a consulta de escuta ao povo nas dioceses, o documento preparatório indica dez núcleos temáticos que abordam diferentes aspetos da “sinodalidade vivida”. Deverão adaptar-se aos diferentes contextos locais e, periodicamente, ser integrados, explicados, simplificados e aprofundados, prestando atenção particular a quantos têm mais dificuldade em participar e responder: o vade-mécumque acompanha este documento preparatório oferece instrumentos, percursos e sugestões, a fim de que os diferentes núcleos de interrogações inspirem concretamente momentos de oração, formação, reflexão e intercâmbio.

Seguem os títulos dos núcleos temáticos a serem analisados para uma verificação profunda de como acontece o “caminhar juntos” no interior de nossa Igreja e junto com a sociedade:

  1. “Na Igreja e na sociedade, estamos no mesmo caminho, lado a lado”. – Em nossa Igreja local, quem são aqueles que “caminham juntos”?
  2. “A escuta é o primeiro passo, mas requer que a mente e o coração estejam abertos, sem preconceitos”. – Com quem está a nossa Igreja “em dívida de escuta”?
  3. “Todos estão convidados a falar com coragem, integrando liberdade, verdade e caridade”. – Quando e como conseguimos dizer o que é de verdade importante para nós?
  4. “Caminhar juntos só é possível se nos basearmos na escuta comunitária da Palavra e na celebração da Eucaristia”. – De que forma a oração e a celebração litúrgica inspiram e orientam efetivamente o nosso “caminhar juntos”?
  5. “A sinodalidade está a serviço da missão da Igreja, na qual todos os seus membros são chamados a participar”. – De que maneira cada um dos Batizados é convocado para ser protagonista da missão?
  6. “O diálogo é um caminho de perseverança, que inclui também silêncios e sofrimentos, mas é capaz de recolher a experiência das pessoas e dos povos”. – Quais são os lugares e as modalidades de diálogo dentro da nossa Igreja?
  7. “O diálogo entre cristãos de diferentes confissões, unidos por um único Batismo, ocupa um lugar particular no caminho sinodal”. – Que relacionamentos mantemos com os irmãos e as irmãs das outras confissões cristãs?
  8. “Uma Igreja sinodal é uma Igreja participativa e corresponsável”. – Como são identificados os objetivos a atingir, o caminho para os alcançar e os passos a serem dados?
  9. “Num estilo sinodal, decide-se por discernimento, com base num consenso que dimana da obediência comum ao Espírito”. – Com que procedimentos e com que métodos discernimos em conjunto e tomamos decisões?
  10. “A espiritualidade do caminhar juntos é chamada a tornar-se princípio educativo para a formação da pessoa humana e do cristão, das famílias e das comunidades”. – Como formamos as pessoas, em particular aquelas que desempenham funções de responsabilidade na comunidade cristã, a fim de torná-las mais capazes de “caminhar juntas”, de se ouvir mutuamente e de dialogar?

A síntese que cada Igreja particular elaborar na conclusão deste trabalho de escuta e discernimento constituirá a sua contribuição para o percurso da Igreja universal. Importante não esquecer que o objetivo do sínodo e, por conseguinte, desta consulta nas dioceses do mundo não consiste em produzir documentos, mas em “fazer germinar sonhos, suscitar profecias e visões, fazer florescer a esperança, estimular confiança, enfaixar feridas, entrançar relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aprender uns dos outros e criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os corações, restitua força às mãos”.

Oxalá todos, você e eu, nosso grupo do qual participamos, possamos dar nossa contribuição para o caminho sinodal da Igreja.


[1] O autor é sacerdote diocesano, doutor em Filosofia pela Universidade Pontifícia Salesiana, de Roma (2010), professor na Faculdade Católica de Belém e pároco na Paróquia Nossa Senhora do Carmo, Benevides – PA.

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